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Sobre infância, negritude e revide

Ou

Por que escrevo?

Cotas, feriado e assunto nas escolas ainda é pouco;

É melhor calcular e rever tudo de novo.

Sempre acreditei que o ser humano precisa de uma válvula de escape para suportar os problemas, vencer os pensamentos cruéis, as dúvidas, enfim, apaziguar os conflitos e os demônios internos.

Além de outros meios, eu tenho na escrita a minha válvula de escape. É ela que me move, me inspira, e me faz ter propósito na vida.  Mas escrevo também por outro motivo em particular.

Na minha infância sofri muito preconceito racial, não que eu não sofra mais. Sofri porque não sabia me defender, e achava que ser negro era errado. Para completar a minha falta de autoestima, algumas cenas do meu dia a dia deixavam-me totalmente para baixo. Uma das atividades em sala de aula era colorir figuras. As professoras passavam o desenho pra gente e quando esse desenho era um ser humano, geralmente eu via algum aluno pedindo o lápis de cor bege porque queria pintar da cor de “gente”. E eu ficava perguntando para mim se “gente” era apenas bege.

Outro fator foram as histórias em quadrinhos que raramente tinham personagens negros ou da “cor preta”. Exemplo disso eram os gibis da Turma da Mônica de Maurício de Souza. O único negro que eu conhecia na história era o Pelézinho, que só aparecia vez ou outra e foi criado para homenagear rei do Futebol, o Pelé.

Os desenhos animados para mim eram sempre desanimadores. Deixavam-me examinando fatos com relação a heróis negros. Inclusive, havia um personagem que ficava forte de uma hora para outra, crescia que até chegava a rasgar as roupas do corpo. Mas ele era verde.

Passava nessa época um seriado muito conhecido chamado “Os Trapalhões” onde os únicos negros que tinham era o Mussúm que só queria saber de samba e de beber cachaça, e o Tião Macalé, um ator que só aparecia quando o programa ia para o intervalo e dizia; “Ih, nojento, tchan” – e sorria sem os dentes da frente. Ele era banguela.

E pra completar a falta ou a má imagem do negro na TV, muitas vezes eu assistia novelas e filmes com meus tios e minha avó. O negro dificilmente aparecia, e quando isso acontecia era sempre como coadjuvante.

Então, não escrevo apenas como uma válvula de escape, mas também como vingança. Quero criar meus próprios personagens e da minha forma de ver o mundo, como ele existe ou pode existir. Para preencher o vazio deixado por outros.

Escrever pra mim é defesa, é ataque. E me considero um ótimo jogador.

 

Sacolinha é contista, romancista e cronista. Essa crônica faz parte do II volume da Trilogia da Leveza, que será lançado em 2022. O I volume é “Dente-de-leão: a sustentável leveza de ser” e pode ser adquirido aqui mesmo no site.

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